Em entrevista exclusiva, o criador da TV-B-Gone falou sobre o movimento hacker e sua luta contra a depressão
Por Pedro Matos e Lucas Nolasco/SIMI
Mitch Altman foi uma das grandes atrações na Campus Party Brasil
Aos 61 anos, Mitch Altman ainda é capaz de lotar o principal palco da Campus Party Brasil, atraindo a atenção de dezenas de jovens entusiastas de tecnologia e inovação. E isso não se deve ao seu peculiar cabelo de diferentes cores. Altman é inventor, fundador da Cornfield Electronics e um dos pioneiros a trabalhar com realidade virtual na VPL Research.
Sua fama teve início em 2004 com o TV-B-Gone, um controle criado para desligar qualquer TV em espaços públicos. A ideia do dispositivo foi parte de sua luta para abandonar o seu vício em televisão. Após perceber o sucesso do produto com seus amigos, Altman resolveu colocar o TV-B-Gone à venda. Sua meta era vender 20 mil unidades. Dez anos após a criação do invento, meio milhão de unidades já tinham sido vendidas.
O inventor americano defende a ideia de que “hackear” é poder utilizar os recursos disponíveis para melhorar a vida das pessoas. É fazer com que soluções inovadoras possam ajudar a resolver problemas e transformar o mundo.
Mitch Altman conversou com nossa equipe durante a 11ª primeira edição da Campus Party Brasil e falou sobre o movimento hacker, a importância das comunidades, empreendedorismo e sua luta contra a depressão.
SIMI – O que é preciso para ser um hacker?
Mitch Altman – É preciso querer explorar, querer melhorar sua vida e se sentir bem ajudando a melhorar a vida daqueles que vivem à sua volta.
SIMI – O que é o movimento hacker?
MA – O movimento hacker é um grande grupo de pessoas que se juntou para apoiar comunidades em diferentes lugares no mundo inteiro. E é muito interessante fazer isso. É o que as pessoas faziam há muito tempo no planeta, mas sinto que nós não temos tantas comunidades em nossas vidas atualmente. Assim, as pessoas estão começando a se unir para criar essas comunidades novamente. E o movimento hacker é uma das maneiras como isso acontece. O movimento existia há 40 anos atrás e foi retomado em 2007, com a criação de espaços hackers nos Estados Unidos, apoiados por hackers da Alemanha e da Áustria. As pessoas que participavam foram vendo que era algo incrivelmente importante. E por ser importante, elas começaram a aprender e a explorar juntas criando coisas interessantes. Na verdade, a educação é o principal resultado desses ambientes incríveis de aprendizagem. As pessoas descobrem coisas legais e percebem que podem largar seus trabalhos convencionais, que não necessariamente gostam, e viver de projetos que elas mesmas criaram. E nas comunidades elas sentem que recebem apoio para fazer coisas interessantes, o que faz com que se sintam melhor. É incrivelmente saudável ter essas experiências em nossas vidas e é muito importante para o crescimento pessoal. Tudo isso e muito mais.
SIMI – Você fala muito sobre comunidades. Como essas comunidades podem ajudar a promover inovações positivas na sociedade?
MA – É muito difícil uma pessoa criar algo positivo para a sociedade sem fazer parte de nenhuma comunidade. Porque seria como um ermitão na floresta. Como é possível saber o que é bom para a sociedade sem fazer parte dela? Se você pertence a um grupo que apoia você, as pessoas podem encorajá-lo a explorar coisas que você não descobriria sozinho. No meu caso, criei o TV-B-Gone. Não que fosse uma coisa capaz de mudar o mundo, mas serviu para mostrar que a TV é uma força poderosa em nossas vidas e que não necessariamente nos beneficia. Eu não teria feito isso sem o apoio da minha comunidade. Existem muitos projetos saindo de espaços hackers e de outros lugares. As pessoas precisam ser encorajadas. Todos nós conhecemos alguém que sempre diz “você não deveria fazer isso”, “é assustador”, “tem muitos riscos envolvidos”, “não é seguro”, “você vai perder dinheiro” ou “você não conseguirá outro trabalho”, entende? Minha avó, que era fantástica, poderia ter a pior interpretação de qualquer cenário instantaneamente. Esse foi o tipo de encorajamento que tive na minha família, (risos) mas se eu não tivesse pessoas com perspectivas diferentes, eu não sei o que poderia ter acontecido. Provavelmente nada de muito legal.
SIMI – Você ficou famoso por criar um controle capaz de desligar qualquer TV. Por que você acredita que isso fez tanto sucesso?
MA – Como inventor, é muito importante ver as coisas da sua própria maneira. E também é muito importante ver problemas que outros não necessariamente veem. O fato de eu ter sido viciado em televisão fez com que muitos anos da minha infância fossem consumidos pela TV. A TV começou a aparecer em qualquer âmbito da minha vida. E eu acabei me tornando a melhor pessoa para perceber esse problema. Criei um dispositivo que, ainda que as pessoas não o comprassem, acabou servindo para que elas se atentassem para esse problema. Deu a oportunidade de mostrar para as pessoas que existia um problema e a partir de então elas puderam fazer algo a respeito. Porque você não precisa de um TV-B-Gone ou um controle remoto para desligar a TV, precisa apenas do seu dedo. (risos) Ter desenvolvido esse invento fez com que outras pessoas enxergassem o problema que até então não sabiam que existia. E agora elas podem fazer diferentes escolhas em suas vidas. E tomara que elas melhorem suas vidas a partir disso.
SIMI – Você costuma dizer que um empreendedor precisa ser um bom hacker. Por quê?
MA – Talvez pelos mesmos motivos que disse antes. Se você é um empreendedor, você precisa ver as coisas do seu próprio jeito. Se não fizer isso, você fará coisas que outras pessoas já fizeram e ficará acomodado. Nós definitivamente temos que correr riscos se quisermos nos tornar empreendedores. É por isso que hackear é fantástico. É ver o mundo cheio de recursos para utilizarmos em nossos projetos e criar coisas incrivelmente interessantes e efetivas. Um hacker é capaz de usar coisas que outras pessoas achariam que é lixo ou mudar a finalidade de determinados objetos. Podemos usar tudo de uma maneira que se encaixe ao nosso propósito e faça nosso projeto ainda melhor. Além disso, também conseguimos ver melhor o que não funciona. Como empreendedores, nós compartilhamos com o mundo algum produto interessante a ponto de nos pagarem para produzí-lo. Se não for interessante, quem vai nos pagar para fazer? Também existe a opção de tentar manipular as pessoas por meio da mídia para fazê-las comprar algo que não querem. Essa é a opção que as corporações tendem a usar, mas um hacker não faria algo assim. Nós usamos os nossos recursos e criamos os nossos melhores projetos para serem compartilhados e para que as pessoas nos apoiem a fazê-los. E isso é muito legal.
SIMI – Você disse que teve depressão e fala abertamente sobre isso. Como você superou esse momento da sua vida?
MA – Essa é uma longa resposta, mas eu posso resumir dizendo que foi a partir de escolhas que fui tomando na minha vida. Quando eu era criança, sempre fiz o que achava que as pessoas queriam que eu fizesse. Eu nem sabia o que eu queria, como ia saber o que os outros queriam? E isso é uma receita certa para ficar deprimido. Quando adulto, o primeiro passo para sair da depressão foi desistir da televisão. Essa foi a primeira coisa que fiz para mim. Durante anos e anos eu sabia que a televisão me fazia mal, mas eu não sabia o que poderia fazer. Eu me perguntava: por que eu continuo fazendo isso se eu não gosto? Da mesma maneira que eu me perguntava quando criança. E adulto eu ainda não sabia a resposta. Mas eu não deveria continuar. Então eu parei. Houve um momento em que eu desisti da televisão e de repente eu fiquei com muito tempo livre. Toda a dor que eu estava evitando em relação à minha dependência da TV veio gritando na minha mente e foi horrível. Mas foi super importante, porque assim eu pude começar um longo processo de cura. E também notei que essa decisão causou um grande impacto em minha vida e isso me encorajou a fazer mais escolhas. É claro que algumas vezes eu ficava mal por conta delas e algumas resultaram em algo ainda pior. Mesmo assim elas causaram um impacto. Aprendi que as escolhas que eu faço de fato importam. Tudo bem se eu errar eventualmente. Hoje eu olho para trás e vejo que fiz muito progresso. E só a partir dos 33 anos comecei a gostar das experiências que vivia. Foi uma grande revelação, sabe? Fiz escolhas que espero que tenham sido as melhores e espero continuar fazendo isso.
SIMI – Temos o costume de ter medo do desconhecido. E talvez seja necessário pular no desconhecido para nos conhecer.
MA – Eu concordo. Todos nós enfrentamos essa grande e profunda questão existencial. Cabe a cada um encontrar um significado dentro de si. Só o fato de saber que não existe um objetivo significativo na sua vida pode ser aterrorizante a ponto de te afastar da ideia de procurar um sentido. Mas se você abraça esse vazio, tem início um processo de descoberta, aprendizado e criação de um significado. E apenas nós mesmos somos capazes de fazer isso. Mas podemos fazer isso muito melhor em uma comunidade que nos apoia.
Fonte: