Não existe receita de bolo. Ser mulher e empreendedora é para fortes. No cenário atual saímos do lugar, mas ainda é preciso equalizar as oportunidades.
Por Maíra Duarte
Muito mais do que apenas empreender, as mulheres empreendedoras contribuem para um ambiente empreendedor mais capacitado, se preocupam mais com a educação de suas famílias, trazem impacto para a economia local, proporcionando o crescimento individual e coletivo, além de contribuir para a inovação nos formatos de negócios e para o desenvolvimento do país.
Mas essa representatividade no meio empreendedor não é um processo simples e agrega uma soma de fatores: modificações de valores, apoio de políticas governamentais e financeiras, além da quebra de estereótipos e muita perseverança. Por isso, no dia 19 de novembro, é comemorado o Dia Global do Empreendedorismo Feminino. A data foi instituída pela ONU em 2014, em Nova York, com o objetivo de debater os desafios das mulheres no mercado de trabalho e chamar a atenção de entidades governamentais e empresas para a importância do impacto econômico que elas produzem. E como anda esse cenário?
Mesmo com todos os desafios, o empoderamento feminino no empreendedorismo brasileiro se mantém firme e forte. Assim como em 2016, em que os números eram relativamente equilibrados enquanto gênero, em 2017 a pesquisa realizada pela Global Entrepreneurship Monitor, em parceria com o Sebrae, também apontou a similaridade entre as taxas de número de empreendedores brasileiros e brasileiras, sendo que dos aproximadamente 50 milhões totais, elas representam 35% da parcela de empreendedores e eles 37%. Elas são mais escolarizadas e atuam em sua maior parte no setor de serviços.
É interessante notar que apesar de as mulheres representarem um percentual total de empreendedoras brasileiras muito parecido com o dos homens (aproximadamente 23 milhões de empreendedoras), e serem responsáveis pela maior parcela de abertura de novos negócios (21%), elas ainda encontram dificuldades de se estabelecerem no mercado. Quando se trata de empreendedores estabelecidos, a diferença por gênero corresponde a 5% de diferença entre homens (19%) e mulheres (14%). Esse comportamento pode ser consequência de um ambiente ainda desfavorável para mulheres empreenderem, o que pode afetar a saúde e a continuidade dos negócios, conforme apontam estudos do GEM 2017.
Quando falamos de empreendedorismo feminino, estamos nos referindo a mulheres que lidam com mudanças em suas relações pessoais, profissionais, financeiras e familiares. Trata-se também de coragem, porque não é fácil se envolver em um negócio próprio quando se tem que demandar de si mesmo mais recursos de tempo e energia que conflitam com obrigações diárias, ainda absorvidas em grande parte pelas mulheres, como a maternidade, atividades domésticas (elas gastam 73% de horas semanais a mais em cuidar de pessoas e em afazeres domésticos do que os homens, segundo estudo do IBGE), entre outros fatores fortalecidos por estruturas socioculturais.
Observando as mudanças, temos mais mulheres empreendedoras e essa é uma tendência que vem crescendo. De acordo com um levantamento realizado pelo Serasa Experian com dados da PNAD (Pesquisa por Amostras de Domicílios) e IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), entre 2014 e 2017, a participação das mulheres passou de 21,7% para 24,3% no meio empreendedor brasileiro – um aumento maior que o dos homens, que foi de 1,4 pontos percentuais.
Mas a realidade é que as mulheres ainda estão vinculadas aos setores de atividades de serviços, correspondendo a 51%, enquanto no comércio elas representam 33% e na indústria apenas 12%, isto é, menos proximidade com áreas tecnológicas e com o ecossistema de inovação e industrial. Segundo levantamento do Sebrae sobre o perfil de microempresárias, 40% são jovens, mulheres de 34 anos que estão concentradas nos ramos de restaurantes (16%), serviços domésticos (16%), cabeleireiros (13%) e comércio de cosméticos (9%).
Elas querem mais!
Em todo o mundo elas estão empreendendo mais. A taxa subiu 6%, conforme a mostra de estudos do Mastercard Index of Women Entrepreneurs (MIWE), e o desejo de ampliar e ir bem nos negócios só tem aumentado. Segundo uma pesquisa do GEDI, instituto norte-americano, realizada em 2015, as mulheres manifestaram um desejo de crescer em seus negócios 50% e empregar no mínimo 10 funcionários a mais, pelo menos até 2019.
Infelizmente quando as mulheres buscam por investimento, elas encontram maiores dificuldades. Apesar de 30% dos negócios serem ministrados por mulheres no total global, a maioria das empresas é considerada de baixo impacto no faturamento anual e apenas 10% de empresas lideradas pelas mulheres recebem investimentos externos.
Quando se trata do Brasil, as mulheres ainda têm menos acesso ao crédito: e aí proponho a reflexão: mas se elas representam a maior parcela de empreendedores que abrem negócios e geram impacto positivo na economia por diversos fatores, de onde vem essa “dificuldade”?
Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (ODCE), dois fatores contribuem: leis ou costume. Uma curiosidade: foi em 1962 que as mulheres conseguiram ter o direito ao CPF (nem faz tanto tempo assim), uma das principais portas de entrada para o mundo das transações financeiras. Não me impressiona que a insegurança financeira entre as mulheres também seja um desafio quando se fala em empreendedorismo, fato muito bem explicado na Pesquisa de Comportamento Financeira Feminina, realizada pelo Itaú Mulher Empreendedora.
A diversidade de gênero dentro das empresas melhora as performances nos lucros e propõe um ambiente mais igualitário e inclusivo. No entanto, mesmo 70% dos líderes apoiando a diversidade, parece que esse apoio não se transforma em medidas efetivas que contribuem para a mudança do cenário: o crescimento de mulheres à frente de altos cargos ou de liderança é de apenas 5% de aumento em quatro anos. No Brasil, 60,9% dos cargos gerenciais são ocupados por homens, enquanto que apenas 39,1% pelas mulheres, em dados atualizados pela Agência IBGE Notícias.
Quando falamos sobre áreas vinculadas à tecnologia e à ciência, a participação da mulheres avançou, mas ainda existem disparidade que são desafiadoras. Menos de 28% de pesquisadores no mundo são mulheres e somente 17 mulheres receberam o Prêmio Nobel em Física, Química ou Medicina desde 1903, quando Marie Curie, cientista polonesa foi agraciada pela premiação.
Se por um lado as mulheres são mais escolarizadas quanto ao ensino médio completo, a aproximação em áreas ligadas a exatas no ensino superior não contextualiza a mesma abrangência. No estudo da UNESCO, publicado em 2018, Decifrar o código: educação de meninas e mulheres em ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM) , no percentual total mundial de mulheres no ensino superior, somente 30% escolhem áreas ligadas ao STEM: “ as matrículas de alunas são particularmente baixas em TIC (3%), ciências naturais, matemática e estatística (5%) e engenharia, produção industrial e construção (8%); as mais altas estão nos cursos de saúde e bem-estar (15%)“. No Brasil, apenas 20% das mulheres estão em empresas do ramo tecnológico.
Mas nem sempre foi assim…
As mulheres representavam 70% da turma em Ciência da Computação, em 1974, no IME (Instituto de Matemática e Estatística), da USP. Então o que aconteceu? Segundo os estudos da Agenda da Educação 2030, da UNESCO sobre o STEM, podemos ponderar algumas reflexões começando com o famoso “é coisa de menino”, lá na infância, quando a menina é colocada para brincar de boneca e lavar a vasilha, e o menino para consertar carrinhos e jogar games. Não existe estímulo ou espaço para a menina nas “coisas de menino”, certo? (Errado!).
Passamos ao próximo quando as meninas perdem o interesse em áreas ligadas à tecnologia, ciência, matemática ou engenharia, geralmente na adolescência, momento em que as definições de afeições delimitadas por gênero começam a se estabelecerem, o que já gera a falta de representatividade de mulheres no meio do ecossistema tecnológico e científico. E quando elas entram de fato para estudar ou se inserem no mercado, sofrem com o ambiente hostil, como preconceitos e isolamento, principalmente se tiverem filhos, onde a dedicação não é exclusiva (talvez isso aconteça em todas as áreas na verdade).
Como isso pode mudar?
Já está mudando. Mas fica claro que precisamos de olhos e mente bem abertos para a mudança cultural e estrutural em diversos âmbitos do mercado e da sociedade, além de mais medidas eficazes com foco em políticas públicas, privadas e incentivo de instituições financeiras para a igualdade de gênero, e também educacionais.
Afinal de contas, nenhuma mudança para o bem coletivo é feita sozinha. Algumas iniciativas de impacto que posso citar, por exemplo, é o Desafio de Empreendedorismo do Legado Acadêmico (DELA), que visa promover a formação empreendedora para as mulheres bolsistas de mestrado e doutorado da Fapemig, e o Movimento ElesPorElas (HeForShe) de Solidariedade, da ONU Mulheres pela Igualdade de Gênero.
Se analisarmos todas as mudanças em números, vemos mais mulheres no meio empreendedor, só que mais do mesmo, ou seja, os mesmos problemas permanecem. Em 2017, entrevistei Camila Achutti, CEO and founder da Mastertech e idealizadora do projeto Mulheres na Computação. Ela tinha acabado de apresentar um painel sobre “Educação, Diversidade e Tecnologia” e batemos um papo muito interessante e ela falou sobre a importância da educação em larga escala da tecnologia e a discussão sobre a temática com meninas, para criar uma sociedade de possibilidades iguais, independentemente do gênero. E que isso sim poderia de fato mudar o mundo. Então como motivação, vou deixar uma frase da Camila, que, na minha opinião, serve para todas as mulheres, sejam elas empreendedoras ou não, mas que lutam todos os dias para realizar os seus sonhos e ter independência financeira:
“Não se prenda a estereótipos, utilize as suas diferenças e use a seu favor. Tire vantagens positivas, sem medo de se expor e falar. Vamos causar a nossa revolução.” Camila Achutti
Fontes consultadas:
http://unesdoc.unesco.org/images/0026/002646/264691por.pdf
http://www.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/Anexos/GEM%20Nacional%20-%20web.pdf
https://m.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/Anexos/Relat%C3%B3rio%20Executivo%20BRASIL_web.pdf
https://thegedi.org/2015-female-entrepreneurship-index-press-release/
https://www.linkedin.com/pulse/back-future-speed-up-gender-parity-alison-kay/
Fonte: