Tributação de investimentos com ágio em startups sob a forma de sociedades limitadas
Por Guilherme Potenza e Bruno Barbosa
Guilherme Potenza – Veirano Advogados
Não é novidade para os empreendedores que o Brasil possui uma das maiores cargas tributárias do mundo. Além disso, é certamente um dos países onde mais se gasta horas para o cumprimento de obrigações acessórias em matéria tributária. Segundo dados oficiais disponibilizados pelo Relatório Doing Business, elaborado pelo Banco Mundial, as empresas brasileiras gastam em média 2.600 horas por ano apenas para o cumprimento de obrigações acessórias.
Essa talvez seja uma das principais razões pela qual o Brasil aparece apenas na posição de número 116 do ranking de facilidade para se fazer negócios elaborado pelo Banco Mundial, atrás de países como Paraguai, Albânia e Nepal.
Se as grandes empresas encontram dificuldades para cumprir as inúmeras e complexas regras tributárias, quem dirá as startups, que contam com menos recursos financeiros e de pessoal. Adicionalmente, apesar do debate em nosso Congresso, inexiste hoje no Brasil regime de tributação próprio a tais empresas que leve em consideração as particularidades inerentes às suas atividades.
Há diversos temas tributários que podem interessar a empreendedores e investidores, mas uma dúvida muitas vezes recorrente de nossa prática – e que acaba por exigir uma atenção especial – é a realização de investimentos com ágio (sobrepreço) em sociedades limitadas.
Como se espera das startups um rápido crescimento no volume de negócios (ainda que em um primeiro momento a empresa seja deficitária ou possua faturamento relativamente baixo), é usual que os investidores, independente da modalidade — investimento-anjo, semente ou growth — efetuem aporte de recursos financeiros em valores substancialmente maiores do que o valor do patrimônio líquido dessas empresas.
No âmbito dessa operação de investimento ocorre a emissão de ações ou quotas pela sociedade, em contrapartida aos recursos financeiros aportados pelos investidores, na esmagadora maioria das vezes utilizando-se do mecanismo de ágio (pagamento de um sobrepreço) para calibrar as participações societárias.
Em princípio, deveria ser uma transação simples e sem maiores efeitos, uma vez que não há alienação das ações ou quotas por parte dos fundadores para os investidores (hipótese em que haveria a incidência de imposto sobre o ganho de capital), mas apenas o aporte de capital a ser utilizado na operação e no desenvolvimento da startup.
No entanto, a verdade é que na maior parte das vezes tais investimentos com sobrepreço acabam por acarretar indesejáveis e muitas vezes desconhecidos efeitos tributários.
Segundo disposto no art. 38 do Decreto-Lei nº 1.598/77, não são computadas na base de cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido os valores recebidos a título de ágio na emissão de ações se a empresa alvo for uma sociedade anônima.
Por outro lado, com base neste dispositivo, tanto a Receita Federal do Brasil como o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais entendem que se as sociedades limitadas receberem investimentos via emissão de quotas com ágio,
tal valor, equivalente ao sobrepreço pago pela aquisição das quotas (diferença positiva entre o valor patrimonial e o valor do investimento), deveria ser incluído na base de cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido, cujas alíquotas somadas podem chegar a 34%.2 Ou seja, há um tratamento diferente entre sociedades anônimas e sociedades limitadas.
Embora questionável, na medida em que trata de forma diferenciada a tributação de empresas em razão do tipo societário escolhido, a verdade é que o entendimento adotado na esfera administrativa sobre o tema acaba por resultar: (i) em mais uma barreira para o desenvolvimento das startups, na medida em que a sociedade limitada (também aquela que apresenta menor custo de manutenção) deixa de ser um veículo interessante para receber investimentos; ou (ii) em contingências futuras, muitas vezes em valores relevantes e que não estavam no radar dos gestores e investidores.
No âmbito do judiciário ainda não há precedentes relevantes sobre o assunto.
Por tal razão, a depender do tamanho do investimento, é recomendável que as startups avaliem, no caso concreto, a possibilidade de transformar-se em sociedade anônima ou busquem celebrar contratos de mútuo com opção de conversão em capital no futuro, preferencialmente após a mudança do tipo societário.
E essa é uma das principais razões (além da melhor governança possibilitada pela Lei das Sociedades Anônimas) pelas quais é recomendável que empreendedores e investidores considerem a conversão da empresa-alvo de sociedade limitada para anônima antes da realização do aporte. No entanto, é sabido que em diversas ocasiões (principalmente nas fases bastante iniciais da startup) os investimentos são realizados em sociedades limitadas, utilizando-se dos mecanismos de ágio para calibrar as participações e conter o efeito da diluição sobre os fundadores.
Naturalmente, a transformação de uma sociedade limitada em uma sociedade anônima implicará maiores custos e obrigações, mas, a depender da fase de desenvolvimento da startup, podemos dizer até que este seria um caminho natural em sua evolução.
O importante é que tanto os investidores como os empreendedores conheçam os riscos e as regras do jogo para que possam avaliar e tomar suas decisões em um momento que sabemos ser de grande pressão e entusiasmo. De qualquer forma, a verdade é que com criatividade e informação sempre é possível encontrar soluções. Trata-se, na realidade, somente de mais uma pedra no caminho dos empreendedores brasileiros e que com certeza será tirada do caminho da inovação que o Brasil tanto precisa.
Sobre o autor:
Guilherme Potenza é associado senior das áreas societária, M&A e de Mercado de Capitais. Ele se juntou ao Veirano em 2004 e assessora desde então clientes nas indústrias financeira, da tecnologia, do agronegócio, dos biocombustíveis e life sciences.
Ele trabalhou por um ano como associado estrangeiro no escritório americano Fenwick & West, LLP, baseado no Vale do Silício, reconhecido como um dos escritórios líderes na indústria da tecnologia, com foco em operações de M&A (buy-side e sell-side), venture capital e startups. Guilherme assessorou clientes como Facebook, GoPro, Synaptics Inc., Solta Medical, Rhythm NewMedia, Caring.com, D2S e Omniata, dentre outros.
Fonte: