Tema foi abordado na 5ª edição do Fala Ciência
Por Pedro Matos/SIMI
Já conhece o Simi Database? Acesse e confira dados exclusivos do ecossistema.
Terra plana, bebês alienígenas e teorias da conspiração. Esses são apenas alguns dos temas difundidos por fake news mundo afora. Já falamos aqui no Portal SIMI o que você pode fazer para não cair em fake news. Mas afinal, como e por que elas são criadas?
Para explicar essas e outras questões sobre as fake news, a 5ª edição do Fala Ciência, realizada ontem, dia 12, pela Rede Mineira de Comunicação Científica no auditório do Museu de Ciências Naturais da PUC Minas, contou com a participação do professor Yurij Castelfranchi, mestre em Comunicação e Ciência e professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Em entrevista exclusiva, o pesquisador explica todo o universo de criação das fake news e destaca que a disseminação de notícias falsas não está ligada à ignorância das pessoas, mas aos valores e convicções de cada uma delas. Confira abaixo a entrevista na íntegra:
- Como nascem as fake news?
Existem muitas formas e isso é algo que ainda está sendo estudado. Pelo que a gente sabe, tudo depende do porquê. O porquê de você querer circular determinada informação faz com que você crie uma fake news. Alguns constroem fake news como troll, só para criar brigas. Por puro esporte. Outros criam fake news só porque isso é uma forma de promover clickbait, sensacionalismo e atrair usuários para seu site e gerar renda. Essas fake news criadas apenas para gerar confusão ou para atrair clicks, no momento, são mais “artesanais” e surgem quase que ao acaso. Ou seja, você inventa uma história suficientemente absurda para gerar surpresa, mas não tão absurda a ponto de ninguém acreditar.
- Quem cria esse tipo de notícia falsa?
Muitas vezes são jovens, inclusive, que fazem isso em casa só porque seu site recebe poucos centavos por click e eles querem aumentar esse valor. Uma parte das fake news da eleição do Trump, por exemplo, tinha essa origem. Vinham de garotos europeus que na verdade não queria nem que o Trump ganhasse nem perdesse. Eles não estavam nem aí para a eleição, mas viram que se a fake news fosse a favor do Trump e bastante maluca atrairia mais clicks do que as fake news favoráveis à Hillary Clinton.
Isso porque nos EUA os eleitores mais conservadores tinham maior tendência de compartilhar fake news do que os progressistas. E inclusive é parecido com o que está acontecendo aqui no Brasil agora.
Mas esse nível “caseiro” é apenas uma parte da história. Aqueles que criam fake news por razões políticas fazem trabalhos bem mais sofisticados.
- Em geral, quais são os formatos das fake news?
O modelo mais simples é pegar uma foto de algum acontecimento e mudar o contexto dela. Como pegar uma violência inaceitável que aconteceu em outro país e dizer que aconteceu na periferia do Rio de Janeiro, por exemplo. Esse modelo é feito com muita frequência, porque causa uma indignação. Basta busca qualquer imagem suficientemente assustadora ou revoltante na rede e criar uma legenda ou inventar uma história sobre os supostamente envolvidos. Isso é feito geralmente por questões políticas, para destruir a imagem ou criar um ódio contra um grupo social ou país.
Outra maneira ainda mais sofisticada é construir uma história para criar exatamente o tipo de indignação, revolta, raiva e ódio que se deseja. Esse foi o caso da Cambridge Analytica. Antes de criar as notícias, eles identificaram o perfil psicológico do público. E isso foi o que mais assustou os Governos. Porque não sabemos o impacto dessas fake news. A gente sabe muito pouco, por exemplo, até que ponto uma eleição poderia mudar de direção. Quem afirma que a eleição do Trump foi decidida só por causa de fake news está construindo uma fake news. É possível que tenha sido, mas a gente ainda não sabe.
Mas isso realmente assusta. Porque eles conseguiram dados de milhões pessoas, inclusive informações muito íntimas das pessoas, que incluem a lista de amigos no número de telefone do celular e não apenas os amigos do facebook. E a partir de uma análise estatística dos padrões desses dados eles conseguem saber coisas sobre você que nem você mesmo sabe. Isso que é o mais assustador.
Com técnicas psicológicas, eles conseguem produzir mensagens direcionadas a cada grupo com o intuito de amplificar determinadas raivas e ódios. E ainda sabemos muito pouco sobre tudo isso.
- Então as pessoas tendem a compartilhar as fake news por que elas reforçam seus valores?
A fake news não se aproveita da ignorância de ninguém e sim de suas crenças. A fake news que funciona melhor é aquela que reforça e te convence mais ainda daquilo que você já acredita. Quando estamos convencidos de alguma coisa, a gente busca desesperadamente fatos para legitimar nossa posição. Ainda mais hoje em dia, em que nossa política é supostamente baseada em fatos. A maneira de se legitimar Leis é baseada em estatísticas e não no conceito de justo e injusto. Então em tempos onde tudo tem que ser supostamente baseado em fatos, as pessoas, para afirmar uma posição moral, buscam fatos para isso. Ou seja, se você criar um fato que justifique seu ódio aos franceses, por exemplo, você tende a acreditar.
Quem cria a fake news bem feitas sabe para qual tipo de raiva ela está sendo direcionada e constrói um fato que diz “tá vendo, você está perfeitamente certo em ter raiva”.
- Você percebe um padrão na estrutura das fake news?
Isso tem a ver com o momento da comunicação em geral. De fato, a construção de um texto jornalístico completo foi se desmanchando com as redes sociais. E o que mais transmite emoções e viraliza é um vídeo mais curto, uma imagem ou algo que te dê aquela emoção do momento, e não necessariamente um texto completo, bem argumentado, com início, meio e fim, por exemplo. Isso torna mais potente ainda a fake news, porque ela não precisa fingir que é uma notícia tradicional, basta gerar uma emoção.
Isso é tão poderoso que muitas fake news não precisam ser criadas por pessoas. Pode ser um robô. Eles têm algoritmos para construir enunciados que fazem o texto parecer que foi escrito por humanos e constroem a notícia. Quando você só precisa mandar alguma coisa muito curta e emocional um robô consegue fazer.
- E como as fake news mudam de acordo com cada rede social?
Não estudei isso diretamente. A minha impressão é que o whatsapp tende a te fazer acreditar em fake news. Porque nele, tende a circular supostas mensagens individuais e testemunhos. Você sente a pessoa dizendo que aconteceu algo e você acredita naquilo. Então acho que a personificação faz a força no whatsapp.
No Facebook, acho que o que dá muita força às fake news, além de ser geralmente um vídeo ou uma imagem que tende a viralizar, são os comentários. Eles ajudam a dar uma ‘alma’ e um registro emocional para determinado post que tendem a fazê-lo viralizar numa direção ou em outra.
E quando você polariza tudo você cria um elemento terrível que é a fake issues, que é pior do que a fake news. Questões pelos quais a sociedade se divide e se odeia, e que na verdade são “adubadas” artificialmente.
- Os comentários têm esse poder?
A gente fez vários experimentos que mostraram que qualquer que seja o tipo conteúdo, ainda que bem feito, bem apurado, bem rigoroso etc., se os comentários são violentos ou polarizados, o leitor tende espontaneamente a achar que a matéria não é boa. É um efeito psicológico perigosíssimo.
Então vários jornais americanos tiraram a possibilidade de usuários comentarem suas notícias. Porque destruía a qualidade da informação. As pessoas achavam que, já que tinha tanta polêmica sobre aquela informação, aquela matéria era questionável, partidária, porque senão as pessoas não brigariam.
- Qual foi a fake news que mais te chamou a atenção?
A fake news que falava que os rastros que a gente vê dos aviões no céu são, na verdade, veneno espalhado pelo mundo inteiro para controlar nossa mente. Foi incrível ver que tanta gente tinha acreditado. Tiveram algumas ainda mais incríveis, mas essa dos rastros dos aviões conseguiu mobilizar muita gente. Existem pessoas criando ONGs para combater essa coisa que é totalmente absurda. Como tanta gente chega a um ponto de ódio tão grande do Governo que quer acredita em qualquer coisa que diga que o Governo é um assassino. Essa da nuvenzinha do avião é realmente muito inacreditável. Essas fake news que viram uma teoria inteira realmente impressionam.
Já conhece o Simi Database? Acesse e confira dados exclusivos do ecossistema.
Fonte: