Cedeplar e Face, da UFMG, levantaram dados sobre a produção intelectual para situar o Brasil na economia do conhecimento
Por Minas Faz Ciência

Estudar o Brasil como uma nação emergente no contexto das potências do conhecimento a partir de dados de propriedade intelectual é uma das especificidades da pesquisa realizada por Eduardo da Motta e Albuquerque, da UFMG.
O estudo desenvolveu-se a partir de uma parceria bem-sucedida com entidades britânicas, que resultou na vinda da pesquisadora Valbona Muzaka, do King’s College London, para um período de intercâmbio na UFMG.
A cientista, que já atuava na Inglaterra com pesquisas destinadas à economia política internacional e propriedade intelectual, esteve no Brasil por alguns meses como pesquisadora visitante do Cedeplar e desenvolveu estudos na intersecção entre as pesquisas brasileiras e britânicas. Um dos resultados desta parceria foi o livro “Food, health and the knowledge economy – The State and Intellectual Property in India and Brazil”.
“Um grande mérito do livro é a discussão, no cenário internacional, do papel desta propriedade intelectual em uma nova fase do capitalismo global, em particular, os setores de saúde e agricultura”, explica o pesquisador. Para ele, a visada crítica do projeto buscou um diagnóstico sobre como isso afeta países em desenvolvimento.
Um dos pontos que se destacam, por exemplo, é o remodelamento da função do Estado nessa nova economia e a identificação de que o padrão em execução atualmente tem efeito negativo nos países em desenvolvimento.
A PESQUISA
Socióloga, com formação em ciência política, a professora chama a atenção para o papel do Estado na economia indiana e brasileira.
Para a Faculdade de Economia da UFMG, a parceria foi muito produtiva, já que conta com o curso de Relações Econômicas Internacionais, em diálogo direto com as áreas de estudo de Valbona.
Com vasta atuação em áreas da economia política contemporânea, sistemas de inovação, sistemas de bem-estar social e desenvolvimento, além de estudos sobre interações entre universidade e empresas e análises sobre o sistema de inovação no Brasil, o professor Eduardo conta que não havia intenção em fazer uma discussão de cunho comparativo entre Índia e Brasil mas, sim, uma discussão sobre propriedade intelectual no cenário internacional, e identificar a situação dos países nesse contexto.
Tudo o que deu certo no Brasil tem uma universidade por trás
Outros estudos conduzidos por pesquisadores ligados ao Cedeplar, como a professora Márcia Siqueira Rapini, indicam que a interação entre universidades e empresas é muito melhor articulada no Brasil do que pensa o senso comum.
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Em outra obra recentemente publicada, Em busca da inovação: Interação universidade-empresa no Brasil, os pesquisadores analisam o cenário e indicam detalhadamente como se dá essa interação, com estudos localizados.
Fazendo uma ponte entre as pesquisas, é possível afirmar que, no Brasil, os medicamentos genéricos são um exemplo de produção da indústria farmacêutica muito bem desenvolvido, que mostra o potencial da biotecnologia na relação entre empresas e universidades.
Já na Índia, o cenário é relativamente diferente, pois a indústria farmacêutica daquele país é muito poderosa, com investimentos mais audazes, com presença transnacional em outros países da África e da Ásia – segundo o professor Eduardo, a capacidade produtiva da Índia seria, nesse quesito, muito superior à do Brasil.
Nesse sentido, o professor explica que o grau de regulação para a produção de remédios pode ser um entrave, uma vez que as patentes, sozinhas, não contribuem para a dinâmica da indústria e podem, inclusive, desacelerar os processos.
“A patente cria um monopólio artificial. Liberal que é liberal é contra a patente, porque esse artificialismo cria um problema para o desenvolvimento do setor”, explica Eduardo, citando Kenneth Arrow, Nobel de Economia (1972), que era contrário à propriedade intelectual em função de o processo travar o desenvolvimento de inovações.
Desdobramentos do trabalho
No Brasil, a pesquisa realizada em parceria com a professora Valbona Muzaca rendeu muitos frutos acadêmicos. Em uma segunda fase, os pesquisadores buscaram ampliar a pesquisa em quatro linhas de investigação, que você conhece a seguir:
Uso de marcas como indicadores de inovaçao
Um artigo pioneiro assinado por Leonardo Costa Ribeiro, do Instituto Nacional de Metrologia Qualidade e Tecnologia (Inmetro), Ulisses dos Santos, do Cedeplar (UFMG) e Valbona Muzaka, buscou contribuir com a nova literatura sobre o uso de marcas como um indicador complementar para inovação.
O objetivo foi ampliar uma grande base de dados de marcas e patentes e oferecer evidências qualitativas e quantitativas sobre a aplicabilidade desse indicador ‘marcas’ para o entendimento da inovação. Os pesquisadores verificaram mudanças na estrutura setorial de economias avançadas, assim como mudanças na economia mundial, que podem ser melhor compreendidas a partir do uso de dados de marcas.
De acordo com os pesquisadores, ao usar dados de marca registrada como um indicador de inovação, é possível analisar setores e empresas que tradicionalmente usam patentes para proteger sua inovação, bem como naqueles setores que não o fazem. “Em outras palavras, o uso combinado de dados de marcas e patentes nos daria uma melhor compreensão da inovação – tecnológica e não tecnológica – ocorrendo em todos os setores econômicos”.
Inovação em sistemas de saúde (1990-2015)
O mestrando em Demografia (UFMG) Alexandre Oliveira Ribeiro trabalhou em um projeto específico voltado para as questões de inovação em saúde e identificou uma tendência: países com melhores expectativas de vida são aqueles que mais investem em tecnologia e ciência.
“O desenvolvimento tecnológico leva a melhorias na saúde da população, reconfigurando a carga de doenças mais recorrentes em cada localidade. Identificamos isso a partir de dados de diversos países, destacando-se a Coreia do Sul”, explica Alexandre.
Dividindo os países do mundo em três grandes grupos, de acordo com o seu desenvolvimento científico e tecnológico, o trabalho analisa o impacto ao longo dos anos em indicadores de saúde (expectativa de vida e o DALY, Disability-Adjusted Life Year). O caso específico da Coréia do Sul destaca-se por ser um país que alcançou o grupo dos países mais avançados cientificamente e tecnologicamente do mundo nos últimos anos.
A metodologia de coleta de dados foi desenvolvida a partir de trabalho já realizado por Leonardo Costa Ribeiro, do Inmetro, que destacou que o investimento em ciência e tecnologia reconfigura o perfil de doenças dos países e aumenta a expectativa de vida da população, com mais recursos, mais medicamentos e estrutura de saúde e tratamento. O Brasil está localizado em um grupo intermediário na relação dos investimentos em ciência e tecnologia e melhorias nos sistemas de saúde.
Sistemas de Inovação na Índia
O estudante Tiago Rogado Guedes de Camargo, bolsista de Iniciação Científica, dedicou-se a um olhar cuidadoso sobre o perfil de inovação na Índia. Graduando em Relações Econômicas Internacionais, ele fez um levantamento sistemático, a partir de um banco de dados do pesquisador Angus Maddison. Os dados analisados comprovam que o desenvolvimento do país se acelera proporcionalmente aos investimentos em ciência e tecnologia.
Com independência relativamente recente no século XX, a Índia já foi o mais rico país do mundo e também o mais industrializado, de acordo com levantamentos feitos pelo estudante. Ao mesmo tempo, também é considerado um dos mais pobres e atrasados economicamente. Atualmente, a Índia possui uma economia complexa e heterogênea, com uma das maiores taxas de crescimento do mundo e um dos mais importantes destinos de investimento direto externo no globo.
Janelas de Oportunidade em inovação
Já José Carlos Miranda da Silva, que também é bolsista de iniciação científica e estudante de Relações Econômicas Internacionais, dedicou-se a identificar as novas possibilidades de desenvolvimento econômico a partir da criação da World Wide Web (www), por Tim Berners-Lee. “Nosso objetivo no grupo é identificar possibilidades de desenvolvimento e sabemos que os países subdesenvolvidos têm que ficar atentos a janelas de oportunidade em inovação. Para identificar essas janelas, é preciso entender como as revoluções acontecem e qualificar suas grandezas”, explica o estudante.
Entender a revolução tecnológica da World Wide Web foi, portanto, um mergulho na literatura específica da área. Uma das questões centrais do estudo é de que a www não é identificada como revolução tecnológica, mas como tecnologia de propósitos gerais, como foram as máquinas a vapor. “São tecnologias que nascem em uma determinada área e têm usos diversos em várias outras”, explica.
O trabalho foi feito a partir da coleta de patentes que citam a criação da www. Foi identificado crescimento moderado das citações no período de 1992 a 2000, a partir do qual houve um aumento considerável em função da criação de novas tecnologias experimentais e novas empresas, como a Google, entrando no jogo em 2001. A produção de patentes que citam a www, então, passa a ser muito maior a partir dos anos 2000.
Fonte: Minas Faz Ciência