Criado por Vânia de Oliveira, da UFJF, grupo também trabalha para prevenção de novas tragédias
Por Redação

Um sentimento de revolta diante da tragédia da barragem Córrego do Feijão, em Brumadinho, no fim de janeiro, aliado ao de solidariedade, motivou a professora da Universidade Federal de Juiz de Fora, Vânia de Oliveira Nunes, a criar um grupo para ajudar na localização das vítimas, além de evitar novos rompimentos.
Denominado de “Ciência por Brumadinho”, o grupo reúne pesquisadores de diversas universidades brasileiras e diferentes especialidades, como cientistas de dados, engenheiros, matemáticos e físicos.
“Não consigo dizer o que move todos os integrantes da rede, mas, no meu caso, é a revolta. Não é o primeiro erro, é o segundo e foi seguido. Parece que não houve uma preocupação dos órgãos responsáveis em evitar que essas tragédias acontecessem e entendo que não dá mais para ficar esperando que alguém resolva. Nós temos que agir e ajudar a evitar que isso aconteça”, comenta.
Cansada de esperar por informações necessárias para o desenvolvimento de programas e apps de apoio, que nunca chegavam, a professora passou a buscar ativamente o contato direto com as equipes de resgate. No entanto, a corporação alegou que a prioridade era localizar os corpos das vítimas. Então, ela decidiu montar uma rede paralela para correr atrás desses dados.
Com a ajuda de um voluntário que trabalha no Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTI), a docente conseguiu acionar pesquisadores interessados em ajudar na causa, especialmente cientistas da área da computação. Juntaram-se a ela 80 cientistas de instituições, como USP, Unicamp, PUC-RS, UFAL, UFAM e UFF e
A partir dessa união, o grupo desenvolveu seis linhas de frente de trabalho:
- Estudo da mecânica dos fluidos para entender como a lama se dispersou e sedimentou
- Uso de algoritmo para encontrar a força de arrasto e, a partir dela, indicar possíveis posicionamentos
- Uso de aprendizagem de máquina para simular onde estão os corpos
- Integração dos modelos
- Validação de desaparecidos
- Análise do caminho da lama
Os primeiros resultados que surgiram no grupo de WhatsApp dos pesquisadores, que conta também com a participação de representante do Ministério Público e do Corpo de Bombeiros, vieram da Poli (Escola Politécnica da Universidade de São Paulo).
Segundo Vânia de Oliveira Nunes, os integrantes do Laboratório de Automação e Controle da faculdade partiram de um algoritmo para encontrar a força de arrasto no rejeito, chegar à aceleração da lama e, a partir daí, estimar a distância percorrida pelas vítimas.
A partir destes dados, eles conseguiram definir 30 possíveis localizações para aqueles que estavam no refeitório no momento do rompimento da barragem. De acordo com Rafael Fernandes Pinheiro, doutorando da Poli-USP e membro do grupo, “esse método pode auxiliar os bombeiros, porque indica pontos que não foram imaginados”.
Agora, Rafael e os colegas tentam aperfeiçoar o algoritmo e, com a ajuda de outros pesquisadores, indicar não apenas latitude e longitude, mas também a profundidade dos corpos.

Apesar dos esforços, a pesquisadora é cautelosa quanto ao impacto da iniciativa. Neves explica que há dificuldade em encontrar profissionais que entendam a dinâmica da lama e, como o trabalho é voluntário, muitos só conseguem ajudar nas horas de folga.
Outro dificultador é o fato de que os pesquisadores dispõem de poucas informações sobre o comportamento de fluxos de lama e dizem que não é possível garantir o sucesso da empreitada. “É uma tentativa. Estamos tentando e fazendo o nosso melhor para dar um pouco de conforto às famílias”, explica a cientista.
Outro grupo que colabora com o projeto Ciência por Brumadinho, utilizando aprendizagem de máquina, é o Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP, em São Carlos (SP). Quando o pedido de ajuda chegou à caixa de entrada do engenheiro de computação Luís Paulo Faina Garcia, pós-doutorando no instituto, ele acionou os colegas do Laboratório de Análise Massiva de Dados e o professor André de Carvalho, especialista em aprendizado de máquinas e mineração de dados.
“A intenção é tentar ajudar de alguma forma as famílias, os bombeiros, mesmo que não estejamos presentes lá”, afirma Luís Paulo Faina Garcia.
Para isso, eles alimentam um programa com a localização das vítimas antes e depois do acidente e treinam esse sistema para estimar a área em que os que permanecem desaparecidos podem estar.

Segundo a pesquisadora, os dados fornecidos pelo Ministério Público de Minas Gerais englobam arquivos como mapas com a topografia anterior e posterior ao rompimento, além de informações sobre onde estavam os corpos já encontrados, a localização precisa dos prédios e as dimensões da mancha de inundação. Estas informações são analisadas, e após a aplicação, começam a servir de base para os primeiros resultados.
Pesquisadores do laboratório do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP fazem parte de grupo de cientistas que estudam formas de localizar vítimas do desastre.
Prevenção de terceira tragédia é um dos focos do grupo
Outra frente de trabalho do grupo é a prevenção de novos acidentes envolvendo barragens. Nesse caso, a proposta é ajustar e aplicar técnicas já conhecidas e desenvolvidas nas universidades.
“Quando vi a primeira reportagem sobre Brumadinho, me deu uma angústia muito grande, porque as técnicas que estamos pesquisando nas universidades poderiam ser utilizadas para evitar que esse tipo de tragédia acontecesse”, ressalta a pesquisadora.
Ela explica que seria possível, por exemplo, informatizar os sistemas e ligar os sensores a uma central, “assim, poderíamos ter sistemas que avisassem da necessidade de evacuação das áreas e indicassem, pelos celulares, quais as rotas de fuga”, explica
A pesquisadora ressalta que também poderiam ser usados sistemas de alerta ligados à Defesa Civil ou ao Ministério Público.”Mariana não era para ter acontecido, Brumadinho também não. Nós não queremos de forma alguma que uma terceira tragédia aconteça”.
Para ela, o Brasil possui profissionais com excelente formação que poderiam estar ajudando na resolução desses problemas.
“Muito tem se falado dos gastos com as universidades, mas elas não atuam apenas na formação de profissionais. Há os eixos da extensão e da pesquisa, e as pesquisas que estão sendo desenvolvidas poderiam ter sido aplicadas na prevenção. Não foram, e olha o que aconteceu”, critica Neves.
Fonte: Uol