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Pesquisador brasileiro desenvolve molécula para tratar insuficiência cardíaca

Denominada de SAMbA, em homenagem ao Brasil, molécula foi criada a partir de estudos com pedaços de um coração


Por Redação

Crédito: CECÍLIA BASTOS/USP IMAGEM

Uma pesquisa com pedaços de um coração substituído por outro em um transplante, evaram pesquisadores à descoberta de uma das causas da progressão da insuficiência cardíaca e ao desenvolvimento de uma molécula para tratar essa doença.

O estudo realizado por cientistas das universidades de São Paulo (USP) em conjunto com Stanford, nos Estados Unidos, foi publicado no dia 18 de janeiro, na revista científica Nature Communications.

Como o próprio nome sugere, a insuficiência cardíaca é caracterizada pela baixa capacidade do coração de bombear sangue para o restante do corpo. A doença pode ser causada por um infarto, hipertensão ou problemas nas válvulas do órgão. Segundo os pesquisadores, ela é o último estágio de diversas doenças cardiovasculares, as que mais matam no mundo. Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que mais de 17,7 milhões de pessoas tenham morrido no mundo em decorrência delas em 2015.

A pesquisa, que teve início em 2009, liderada pelo brasileiro Júlio César Batista Ferreira, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, descobriu um mecanismo que faz a insuficiência cardíaca progredir. Trata-se da interação entre duas proteínas, a Kinase Beta 2 (Beta2PKC) e a Mitofusina 1 (Mfn1), no interior da mitocôndria – organela da célula responsável pela produção de energia para funcionamento do organismo humano – inclusive com o coração.

Segundo o cientistas, quando as duas proteínas interagem, a Beta2PKC desliga a Mfn1, prejudicando o funcionamento da mitocôndria, impedindo-a de produzir energia. Como uma das consequências, isso diminui a capacidade de contração e expansão das células do músculo cardíaco e, consequentemente, de bombear sangue.

“Essa interação entre as duas proteínas, que até então não se sabia ser tão importante na progressão da insuficiência cardíaca, foi uma das principais descobertas do nosso trabalho”, explica o pesquisador.

Após desligar a Mfn1, a Beta2PKC começa a se acumular no interior da mitocôndria. Em trabalhos anteriores, a equipe liderada por Ferreira já havia conseguido inibir essa segunda proteína e este processo de acúmulo. Com isso, o funcionamento do coração com insuficiência melhorava.

“O problema é que esta solução também impedia a Beta2PKC de realizar outras funções suas, benéficas para o funcionamento do músculo cardíaco”, revela Ferreira.

A partir desta análise, os pesquisadores desenvolveram a nova molécula, que age de forma seletiva, impedindo apenas que a Beta2PKC desligue a Mfn1 na mitocôndria. Para criá-la, os cientistas realizaram testes em proteínas recombinantes (produzidas artificialmente a partir de genes clonados), células e pedaços de tecido de coração humano com insuficiência e animais.



Este procedimento deu origem a molécula SAMbA, acrônimo em inglês de Selective Antagonist of Mitofusin 1 and Beta2-PKC Association – ou Antagonista Seletivo da Associação de Mitofusina 1 e Beta2PKC.  Uma curiosidade é que o pesquisador da USP explica que a escolha do nome não foi criada por acaso. “Como foi um trabalho importante e feito no Brasil, pensei que nada mais justo do que deixar uma marca brasileira nessa história”, afirma.

Ferreira explica que a SAMbA foi sintetizada em laboratório a partir de partes de proteínas, que agem nas células cardíacas e são projetadas para bloquear a interação entre a Beta2PKC e a Mfn1. No primeiro momento foram realizados testes in vitro. No total, foram criadas e testadas seis moléculas. De acordo com os pesquisadores, todas as moléculas inibiram a interação entre as duas proteínas, mas apenas a SAMbA o fez de forma seletiva, impedindo a Beta2PKC de desligar a Mfn1.

Depois disso, foi preciso testar a nova molécula, ainda in vitro, diretamente em células cardíaca humanas.”Os resultados mostraram que ela foi capaz de impedir a progressão da insuficiência cardíaca, além de melhorar a capacidade das células do coração de se contrair e expandir, o que é necessário para bombear o sangue para o resto do corpo”, conta Ferreira.

Crédito:CECÍLIA BASTOS/USP IMAGEM

Por fim, a SAMbA foi testada em ratos que foram induzidos a um infarto, que, por sua vez, levou à insuficiência cardíaca nos roedores.  Segundo o pesquisador, eles foram divididos em dois grupos e, durante seis semanas, um deles recebeu o tratamento com a nova molécula e o outro, que funcionou como controle, um placebo (substância sem efeito).

Ferreira afirmou que a doença foi bloqueada nos ratos e que eles apresentaram uma melhora. Ainda de acordo com ele, as drogas atuais impedem a progressão da insuficiência cardíaca, mas nunca a fazem regredir.

“Nosso trabalho mostra que, ao impedir a interação entre as proteínas Beta2PKC e a Mfn1, a SAMbA não só reduz a progressão como ainda torna a doença menos grave.”

Ferreira atribui os bons resultados da nova molécula a uma característica única dela. Ele afirma que as drogas atuais atuam no lado de fora da célula doente, mais especificamente na sua membrana. “Elas não agem na célula propriamente dita. A SAMbA, por sua fez, atua dentro, na maquinaria da mitocôndria, e lá corrige o problema. É um efeito de dentro para fora.”

Apesar dos resultados positivos, o pesquisador explica que ainda vai demorar um certo tempo para que a molécula desenvolvida pelo grupo de Ferreira dê origem a um novo medicamento para a insuficiência cardíaca. “O que temos por enquanto é um protótipo”, enfatiza. 

O pesquisador explica que agora é o momento de entrar na fase de desenvolvimento. Ele acredita que para transformar a SAMbA em remédios é preciso mais oito anos de pesquisa, “além de uma parceria com a indústria farmacêutica, para testá-la em pessoas com a doença. É preciso verificar também sua interação com os outros medicamentos que o paciente toma, pois ela tem que ter um efeito adicional a eles. Não se pode tirar os remédios que eles tomam para testá-la.”

De todo jeito,  a patente da SAMbA já foi solicitada nos Estados Unidos. Apesar disso, ela será colocada à disposição para que outros pesquisadores e instituições possam realizar testes, dando continuidade ao seu desenvolvimento.

O pesquisador adianta que já existem conversas com algumas indústrias farmacêuticas que já demonstraram interesse em avançar nos estudos com a molécula e, eventualmente transformá-la numa nova droga, adianta Ferreira.

“Mas como é um novo tratamento para seres humanos, isso leva tempo”, finaliza.

Fonte: BBC

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