Empreendedoras acreditam que o cenário para inovação está mudando; a falta de modelos para se inspirar ainda é um problema
Por Redação
O lugar da mulher na sociedade e no mercado de trabalho é um tema que tem sido muito debatido atualmente. Se, no passado, as mulheres realizaram grandes desenvolvimentos tecnológicos essenciais para o nosso dia a dia – a exemplo da atriz e engenheira de comunicações, Hedy Lamarr, que inventou o precursor da comunicação wireless ou Evelyn Berezin, funcionária da Underwood Company, que criou o primeiro computador para escritório em 1953 – atualmente o setor de tecnologia é composto em sua maioria por homens. O contexto histórico demonstra que muito dessa inversão de representatividade se deve à falta de conhecimento sobre exemplos de mulheres empoderadas a serem seguidos.
Se entre as maiores empresas do mundo, apenas 20% delas tem uma diretora, nas empresas de tecnologia a quantidade é ainda menor. No Vale do Silício, esse número desce para 10%. Marissa Mayer, CEO da Yahoo, Meg Whitman, da HP e Sheryl Sandberg, a primeira mulher a ocupar a mesa da diretoria do Facebook, começaram a abrir esse caminho – mas ainda são poucas.
No livro de Sandberg, “Faça Acontecer”, que trata da vontade das mulheres de empreender no mercado de trabalho, a autora afirma que o mundo ainda é comandado por homens e há muito o que fazer para melhorá-lo. E isso passa por evidenciar o trabalho de mulheres na área: embora não faltem exemplos relevantes – Ada Lovelace e Grace Hopper, por exemplo, foram pioneiras na tecnologia da informação – o papel da mulher na tecnologia ainda é carente de representatividade.
Nos cursos de engenharia ou em cargos técnicos de grandes empresas do setor de tecnologia, mulheres ainda são minoria, mas essa realidade vem mudando. Uma situação que exemplifica o cenário é a mudança no perfil de inscritos na quarta edição do programa de pré-aceleração Lemonade, o número de participantes mulheres mais que dobrou em relação ao ano passado. Enquanto a edição de 2016 contou com 11 inscritas, a deste ano tem 24. Em ambos os casos, o programa teve um total de 100 participantes.
O Lemonade está acontecendo no BH-TEC, com capacitação e mentoria para equipes que desenvolvem soluções inovadoras para problemas da sociedade. Essa experiência insere as empreendedoras selecionadas num ambiente mais maduro de inovação, em que as líderes também são exceção.
Presença e representatividade feminina
Ainda na obra de Sandberg, a empresária escreve que, além das barreiras externas, como machismo e assédio sexual no ambiente de trabalho, as mulheres também são tolhidas pela forma como são criadas. Isso por serem tratadas enquanto “mocinhas que recuam e devem falar usando rodeios”, ouvirem que tecnologia é “coisa de homem” e que mulheres não são aptas para liderar.
“Estamos na tecnologia e na ciência, mas parece que ainda falta uma divulgação mais inclusiva, porque as mulheres não se veem ali. Falta evidenciar essa participação, para que as mulheres se sintam mais confortáveis para se envolver nesses assuntos”, diz Flávia Caldeira, CEO da Desencaixa, um dos projetos do Lemonade 2017.
A empresa, que Flávia administra junto com a Karina Carvalho, está na segunda fase do programa e é, inclusive, voltada para o público feminino.
A iniciativa surgiu da percepção das sócias de que as mulheres ainda têm dificuldade em falar sobre corpo e sexualidade e, consequentemente, consumir produtos relacionados. Assim, elas criaram uma plataforma online em que as clientes fazem um cadastro – com suas preferências e informações – ao comprar uma caixa de produtos a serem selecionados pela Desencaixa. “Fazemos a curadoria de produtos, serviços e informações que abrangem a complexidade da sexualidade feminina”, descrevem. A caixa chega como uma “surpresa”, com lingeries, cosméticos eróticos, produtos de cuidado pessoal feminino, entre outros.
Com essa ideia, o projeto foi premiado por um programa do Núcleo de Empresas Juniores da UFMG em 2016. “Depois que ganhamos o Startup U, também percebemos que precisávamos continuar a levar isso para as pessoas. Agora com o Lemonade temos visibilidade e estrutura mais sólidas, além de muito contato e networking. Vimos a oportunidade, sendo duas mulheres negras falando de um assunto complicado, para colocá-lo em pauta”.
Priscila Gama, uma das fundadoras da Malalai, também lida com um tema caro às mulheres: segurança pessoal. O projeto dela e de sua equipe participou a convite da segunda edição do Lemonade e Gama diz ter percebido como o programa evoluiu na participação feminina da edição de 2016, para a atual. O aplicativo consiste no mapeamento colaborativo de rotas de risco – em que as usuárias classificam trajetos em relação a seu movimento, iluminação, policiamento, etc,e permite a solicitação de companhia virtual a um contato de confiança. Para emergências, um wearable possibilita que se peça ajuda de forma rápida e discreta.
Priscila enxerga uma dificuldade para as mulheres empreenderem em tecnologia, que vem do fato de elas serem desestimuladas a estudar e trabalhar na área. Elas representam pouco mais de 30% dos concluintes dos cursos na área de Ciências, Matemática e Computação, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). No entanto, existe espaço para mudança: as mulheres já são maioria na universidade, ocupando 55% das vagas de ingressantes e 60% dos concluintes em 2013.
Abrindo caminhos
Ana Paula Fernandes é sócia da empresa Detechta, spin off criada a partir do CTVacinas, residente do BH-TEC. A pesquisadora e empreendedora trabalha na área desde de a década de 90, concluindo mestrado e doutorado na UFMG, após passar por estágios na Universidade de Harvard, nos EUA. A empresa é responsável por colocar no mercado a única vacina contra leishmaniose canina do Brasil hoje.
A Detechta é um dos resultados dos Centros de Tecnologia (CTs) da UFMG, que criam e estreitam relações entre pesquisadores acadêmicos e empresas de tecnologia. Ana Paula conta que criar essa spin off junto ao grupo de pesquisa do qual participava foi desafiador de diversas maneiras. Questões do ambiente jurídico do setor, dificuldades intrínsecas ao investimento vindo de empresas brasileiras e a crise financeira vivida pelo país. Ao lado disso tudo, a entrada em um novo ambiente, o do empreendedorismo. “As pessoas ainda podem se surpreender ao verem uma professora, pesquisadora e mulher querendo empreender. Mas, hoje em dia, vejo como isso foi mudando e está sendo mais aceito”.
O machismo na ciência não é uma questão palpável e objetiva: ela não se lembra de ter sido efetivamente excluída, não participar ou ter restrições nos projetos. Para Ana Paula, ele se manifesta quando as mulheres parecem ter que se provar mais em relação à capacidade e competência na área de tecnologia e negócios.
“Muitas mulheres lutaram para que eu pudesse chegar aqui, mas ainda é necessário se impor e enfrentar essas questões. É difícil se inserir nesses contextos, mas temos que ter essa força e trabalhar juntas para chegar lá”, conclui.
Apesar das dificuldades e dos obstáculos ainda enfrentados pelas mulheres na tecnologia, a disseminação de modelos de empreendedoras que conquistaram o seu lugar no mercado de trabalho é um aliado importante para a conscientização da população de que o lugar da mulher é onde ela quiser.
Com Tinno Comunicação.
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